terça-feira, 21 de abril de 2009

Havia sobre a mesa, um prato com três biscoitos dentro, uma xícara de café com leite ao lado soltava uma fumacinha que dançava em espirais. Suas mãos a alisar a toalha estampada, não demonstravam nenhum sinal de alteração. A manhã tranquila não combinava com sua ebulição interior. Nem ele mesmo sabia o que ocorria no seu mais profundo filamento cerebral. Ali sozinho esperava o nada e as vezes que tudo explodisse ao seu redor e consumisse com sua angústia. A vida era frágil quando não se queria morrer, mas quando essa era a vontade, parecia forte, onipotente e opressora. Sentia-se amarrado por cordas invisíveis, desejava apenas ser livre, ao mesmo tempo isso lhe parecia impossível. Era um escravo da sua própria embriaguez pela vida, do medo de viver e de morrer. Comeu um biscoito e terminou seu café. Olhou no relógio e já passavam cinco minutos das 11:00 horas. Correu para o banheiro, escovou os dentes, fez xixi. Na sala, sentado numa poltrona, calçou depressa os sapatos e saiu. Precisava estar no trabalho ao meio dia. O trabalho foi sua única preocupação durante o restante do dia. A noite sentado na mesa da cozinha novamente, apenas comeu um sanduíche que comprara no caminho. Agora o que precisava era apenas um banho e ver um pouco de televisão. Adormeceu vendo a novela.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Culpa

Ele com unhas roídas, cabelos despenteados, punhos cerrados e olhar fixo em seu próprio caminhar. Na sua mente nada além do dever de acabar com aquilo o antes possível. Era necessário. Uma brisa quente o topou de frente. Ele continuou sem reação, apenas andando com passos cadenciados. Nada o poderia deter. Não podia prolongar nem mais um minuto, já tinha tomado a decisão. Era o correto a se fazer. No bolso trazia uma carteira de cigarro quase vazia e na boca um bafo de whisky misturado com bala de hortelã, uma que engolira de susto, ainda há pouco. Seu coração estava acelerado, fora surpreendido com a súbita decisão sobre o que fazer. Depois de uma noite inteira de bebedeira solitária em casa, encontrou a resposta no fundo da garrafa de whisky. Quanto mais se aproximava, mais seu coração mostrava força e rapidez. Levou sua mão úmida até a testa, de onde escorria um fio de suor. Seus lábios estavam secos. A dúvida começou a ressurgir em sua cabeça. Não! Não podia mais se perder em indecisões, era um homem feito, adulto, tinha que ser capaz de sustentar sua decisão para si mesmo, se não fosse capaz, como sustentaria suas posições frente outras pessoas? Deveria ao menos uma vez, amarrar seus pensamentos duvidosos e libertar-se daquele sofrimento. Não deveria mais questionar, nem a si, nem aos outros. A vida era feita de padrões intocáveis e atemporais. E aquilo era o certo a se fazer, não podia mais continuar.
Pensou em sua mãe, seu pai, nos avós, todos que amava. Não restava dúvida. Pela razão, era esse o caminho. Não mais se deixaria guiar pelos sentimentos, por seus impulsos carnais. Seria aquilo que todos esperavam que ele fosse, não tentaria alterar os padrões da vida. Bem lembrava das piadas na TV e, em casa, as reprovações desses atos. Não eram pessoas normais, mas ele era, sabia que era normal. Aquilo se apoderara dele nos últimos tempos apenas. Mas era finda a hora, haveria de deixar seu corpo, fosse como fosse.
Já chegando, uma dúvida ainda tentou fazê-lo desistir. Não dava mais, era tarde para voltar atrás. Parou defronte o portão, do qual dois dias antes saíra satisfeito. Respirou profundamente, tentando se acalmar, limpou o suor do rosto, lambeu os lábios, se recompôs da maneira que pôde e enfim tocou o interfone. Chamou três vezes - não estaria em casa? Não era possível, tinha verificado isso antes de sair de casa - na quarta vez, porém, uma voz respondeu:
- Oi, quem?
- Oi, é o Pedro... - disse tentando esconder o nervosismo.
- Pode subir, espere eu abrir. Abriu?
- Abriu. - disse baixinho e empurrou o portão.
Naquele horário não tinha porteiro. Menos mal. Não era bom que o vissem naquele estado. Não precisou chamar o elevador, estava ali, como que o esperando. Entrou e apertou o número 7. Em frente ao espelho se ajeitou, arrumou o cabelo, secou as mãos suadas na bermuda, ajeitou a camiseta e fechou os olhos apertando as pálpebras e cerrando os dentes. O elevador parou. Já não sentia as pernas. Fora tomado por uma sensação estranha. Só tinha sentido algo parecido quando tivera que subir no palco do teatro municipal, uma vez que fora o escolhido para falar em nome do colégio em que estudava. Mas dessa vez era diferente: não tinha ninguém na platéia. Saiu do elevador, mexeu a mão direita para que a luz acendesse. Seguiu até a porta de número 704. Ficou quieto, sem respirar por alguns instantes. Bateu na porta. O coração iria lhe sair pela boca, não agüentaria. A porta se abriu, Rafael com um sorriso - que logo se desfez - estampado no rosto, aproximou-se, deu-lhe uma abraço e um beijo no rosto. Nenhuma reação, Pedro, estava paralisado.
Uma voz veio de dentro do apartamento:
- Quem está aí?
- O Pedro, vó, um amigo.
Voltando-se ao visitante, pegou em suas mãos e o guiou para dentro. Estranhou que estavam frias e suadas. Quis perguntar por que, mas desistiu. O que traria Pedro aquela hora à sua casa? Não parecia bem, estava pálido.
O visitante sentiu-se tonto e pediu para se sentar, pelo que foi prontamente atendido. Rafael o sentou no sofá e se ajoelhou à sua frente tentando entender o que se passava.
- Esse menino não me parece muito bem, - Disse a avó ao chegar à sala - vou fazer um chá. E encaminhou-se para a cozinha.
Pedro não sabia mais o que fazer, estava entregue à sua própria fraqueza. Não era possível ali estar inerte dessa maneira. Depois de todo o plano para acabar com aquilo, por que não conseguia? O culpado, o único culpado por sua infelicidade, era Rafael. Ele que o tinha tornado diferente. Aquele moço o seduzira. Maldito moço. A única forma de libertar-se era aquela. Apalpou o estilete no bolso, não foi capaz de tirá-lo, lhe faltava força. Mais uma vez fracassara. Novamente se perdia em pensamentos, agora, porém, de forma menos desconfortável. Começou a sentir o aconchego do lugar. De repente tudo pareceu em harmonia. A decisão, a culpa, tudo desapareceu. Só restou as mãos de Rafael sobre seus joelhos.
- Olha querido, seu chá está pronto. Disse-lhe Dona Carmem, oferecendo uma xícara.